Há Cada Vez Mais Gente a Mexer no Nosso Queijo

sábado, 18 agosto 2018 13:51 Escrito por 

 PARTE 7/14: O storytelling 

Ler os descritivos dos nossos principais queijos, dependendo do nosso estado de espírito, pode ser um exercício divertido ou algo absolutamente entediante. Todos os queijos têm um paladar marcado ou um aroma sui generis, uma cor branca ou amarelada, podem ou não ter olhos na massa, a pasta pode ser firme, dura ou semi-dura.

  Na verdade, quem nunca tiver provado um desses queijos, lendo a definição apresentada na maior parte das publicações fica, diria, basicamente na mesma, com a forma vaga, pouco explícita e pouco específica com que são descritos.

Na verdade, hoje a apresentação de um qualquer queijo de boa qualidade precisa de algo mais do que um mero desfiar de características físicas que, sabemos todos, estão presentes e são comuns a vários tipos de queijo.
É preciso, isso sim, de uma boa história, de algo que envolva geografia, tradição, propósito e, acima de tudo, que nos consiga transportar para o contexto e o espaço em que são esses queijos produzidos.

Muitos dos nossos queijos mais reconhecidos ostentam protecções geográficas, sejam as denominações de origem (DOP) sejam as indicações geográficas (IGP) e assim é porque se pretende dotá-los de um enquadramento jurídico que os defenda e valorize, limitando a possibilidade de cópia, mas, mais do que isso, porque existia uma tradição local de produção, geralmente associada ao pastoreio e à produção de leite, mas também à condição socio-económica dos respectivos habitantes ou aos seus hábitos alimentares.

É pois, possível, logo aqui, começar a desenvolver uma boa história que ajude o consumidor e, em especial, o consumidor interessado e apreciador, a ter uma experiência que não é apenas sensorial.
Depois, por trás de cada queijo, há a história de quem o produz, a história do local em que foi produzido, ou um sem número de pormenores que não alterando em nada o respectivo paladar ou textura, nos ajudam a entrar num outro universo, como se estivéssemos, ainda que eventualmente a muitos quilómetros de distância, a visitar a sua origem, a vê-lo a ser fabricado ou a prová-lo como se ele não tivesse saído do local onde foi produzido.

Estas histórias são também um convite a uma visita a essas regiões, por vezes algo afastadas dos grandes centros. Fala-se hoje muito em Enoturismo, mas podem ser desenvolvidas estratégias de turismo que assentem ou envolvam outros produtos. E o queijo pode, certamente, ser um deles.

Um bom exemplo de turismo ‘queijístico’ pode ser o dos Açores. É praticamente impossível visitar o arquipélago e não cair como que num encantamento que nos leva a querer regressar uma vez, e outra, e outra! Mas é também verdade que as belezas das ilhas se confundem em larga medida com o verde, com as pastagens e com os animais. Dizia-nos um amigo que se há algo que diverte os açorianos é ver parar repentinamente um carro alugado numa qualquer estrada rural e ver alguém sair a correr para tirar uma fotografia… com uma vaca! Confesso, eu própria tenho dezenas de fotos com vacas.
Mas é esse contacto com a natureza, com a genuinidade e originalidade do produto que não se consegue oferecer a um consumidor longínquo, se não através de uma história colorida e bem contada.
Como em relação à própria degustação do queijo se torna necessário descobrir os ténues sabores que surgem e que podem ser pistas para as melhores maridagens, para as melhores combinações gastronómicas, para a confecção das mais saborosas iguarias.

Produtos como o vinho perceberam há muito este caminho e têm hoje uma gama de descritores, que numa ou outra situação tenderão a confundir sabor com poesia, mas que na grande maioria dos casos têm uma relação clara com o vinho em causa e transformam os apreciadores em quase que Sherlock Holmes olfativos e gustativos, a tentarem testar se aquilo que é referenciado é por si experienciado.

No sector do queijo, a análise sensorial é, actualmente, mais uma caça aos defeitos do que propriamente uma exaltação das qualidades.

Pela minha experiência, e sabendo que tal não é impossível, é-me muito difícil vender um queijo a alguém sem o ter provado, sem o ter degustado cuidadosamente e sem ter feito o meu trabalho de casa, tentando perceber qual o ângulo a utilizar para cativar o cliente… e é preciso também, obviamente, conhecer minimamente o cliente.

Muitos dos produtores, apesar de sempre muito autoelogiosos em relação aos seus próprios queijos, não são demasiado orgulhosos da sua história e tradição e têm pouca atenção nos materiais que preparam para apresentar os seus produtos.

E não têm, na ponta da língua, a história que irá tocar fundo no comprador e convencê-lo a optar pelo seu queijo.

Continua... 

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