Há Cada Vez Mais Gente a Mexer no Nosso Queijo

sexta, 24 agosto 2018 20:27 Escrito por 

PARTE 9/14: O queijo nas lojas especializadas

As leitarias, manteigarias e queijarias fazem parte do património de comércio tradicional que era usual encontrar nos centros dos maiores agregados urbanos, disponibilizando, numa era anterior à da explosão da distribuição moderna, uma oferta especializada e permitindo ao consumidor o acesso a queijos (e não só) que, na sua quase totalidade, eram produzidos em zonas relativamente distantes das maiores cidades do país.

A multiplicação dos espaços da grande distribuição, numa primeira fase via os grandes hipermercados, com uma oferta muito diversificada e inebriante, e mais tarde através da proliferação de supermercados, dentro e fora dos grandes centros urbanos, alterou acentuadamente os hábitos de compra dos portugueses e, obviamente, o local onde a grande maioria dos portugueses compra os seus queijos.

Assim, embora algumas daquelas lojas se mantenham em funcionamento, muitas outras desapareceram, perdendo-se tradição, conhecimento e proximidade. E dificultando o acesso a produtos de excelente qualidade mas de menor dimensão produtiva que, por falta de interesse ou de escala, não se encontram disponíveis nas prateleiras das principais cadeias de supermercados. E o consumidor que não vai ou não pretende comprar queijo nos supermercados, viu a oferta restringir-se aos mais banais produtos que se encontram no comum das mercearias ou em talhos que, em muitos casos, complementam a sua oferta de carnes com alguns produtos que exigem frio (como o queijo) e um pequeno sortido de mercearia.

Apesar de tudo há ainda bons exemplos dessas lojas que se mantêm em actividade como são, por exemplo, a Manteigaria Silva e a Queijaria Nacional, em Lisboa, ou a Casa Lourenço, a Comer e Chorar por Mais e a Queijaria Amaral, no Porto, onde podem ser encontrados diversos outros produtos de mercearia, como os vinhos de mesa e fortificados, os enchidos ou o bacalhau, mas em que o queijo funciona como acento tónico.

Contudo, nos últimos anos, pelo interesse de alguns queijófilos, mas também e principalmente para dar resposta ao crescente fluxo de turistas que nos visita, foram surgindo algumas lojas verdeiramente especializadas e ainda algumas mercearias modernas onde é possível encontrar um sortido interessante de queijos nacionais e internacionais. Em alguns casos, esses espaços permitem, em simultâneo, a compra e a degustação dos queijos disponíveis, melhorando em muito a experiência de compra e a capacidade de motivar o consumidor a experimentar queijos que não conhece ou que vão para lá da intenção inicial de compra.

Alguns dos espaços mais relevantes a este nível são, em Lisboa, a Queijaria Nacional ou a Maître Renard e lojas como a Delidelux ou a Mercearia Criativa ou o Restaurante Dom Queijo. No Porto, a Queijaria Portuguesa (no Mercado Beira-Rio, em Gaia), a Queijaria do Almada, o Armazém do Queijo ou a Fromagerie Portuguesa (que abrirá por estes dias) , lojas como a Mercearia das Flores ou o Augusto da Foz e restaurantes como o Bacalhau, o Rei dos Queijos ou o Puro4050. Mas também o Corriqueijo e o Mercado Bacalhoeiro, em Braga, o Queijo Cheese Shop, em Guimarães, a loja Coisas & Sabores, em Coimbra, e bastantes mais.

Estas novas lojas são modernas, arejadas, com mão de arquitecto, bem decoradas, nas quais o queijo está devidamente apresentado e conservado, normalmente localizadas em zonas nobre das cidades. Mas são lojas que também obrigam a um elevado conhecimento do produto e a uma muito elevada qualidade de serviço. Lojas que têm que apresentar condições de temperatura e humidade adequadas e que permitam a sua venda, mas também a sua degustação a qualquer momento.

Para estes espaços, sejam as lojas especializadas, sejam as mercearias modernas, a questão do sortido pode ser, apesar de tudo, algo problemática. Desde logo porque querendo abranger os consumidores nacionais e o mercado do turismo, pode recorrer à alargadíssima oferta de queijos de todas as partes do mundo que reúnam condições de gosto e de distribuição para a sua venda em Portugal. Mas é, muito especialmente, ao nível do sortido de queijos portugueses que a diferença maior se fará. Primeiro porque será aquilo que melhor permitirá ao consumidor nacional perceber da qualidade e diversidade dos queijos apresentados. Depois, porque quem nos visita quererá provar e comprar, seja para consumo durante a estadia, seja para levar de regresso a casa, aquilo que é mais genuinamente nosso.

E aqui o desafio principal é o de colocar nestes espaços queijos menos massificados e que não sejam facilmente encontráveis em qualquer supermercado das proximidades, com a agravante de que a nível de preços, estas lojas não serão nunca competitivas. Num país pequeno como Portugal, ou o produtor em causa é de muito reduzida dimensão, com as dificuldades que, quantas vezes, tal facto motiva a nível de disponibilidade, logística e até de consistência ao nível de qualidade, ou então há uma franca probabilidade de o mesmo queijo poder ser encontrado em pelo menos alguns supermercados.

Nesses espaços de referência, os respectivos responsáveis tendem a solicitar alguma exclusividade para os queijos que comercializam, mas esquecem-se, geralmente, que as quantidades sempre reduzidas que encomendam inviabilizam totalmente essa pretensão. Mas é também aqui que entra – tal como atrás se referiu - a possibilidade oferecida por alguns fabricantes de colocar produtos com marcas ou apresentações diferentes para espaços de excepção.

Uma última nota para lembrar que quanto mais distinta e não massificada for a oferta, ainda que direcionada para um consumidor supostamente conhecedor e aficionado, mais fundamental é dar a provar os queijos para motivar a compra. Este é um formato que não está ainda enraizado nos hábitos de muitos destes espaços.

Permitir provar, vender queijo a corte nas porções adequadas a cada consumidor, embalar adequadamente as porções compradas, permitindo o seu transporte e conservação adequados (mesmo que não consumidos de imediato), manter os queijos cortados com um aspecto atractivo e motivador para novas vendas, são factores críticos de sucesso para este tipo de espaços.

Continua... 

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